Monday, October 17, 2011

falso calibre




eu sou uma traição sem botas
nas costas do vestígio daquela deturpação
de ideias e da moral gregária
... estou cansada das iguarias dos novos
das panacéias, pancadarias
e bibelôs das viagens dos outros

um ano sensato se proclama
longe das minhas possibilidades
meninos de esmalte nas unhas
gatos alçados em anzóis
coronhadas em castelos já sem sonhos
e os hipócritas se escandalizando
em suas monaretas quebradas

a paz ressentida de todos os patifes
que estufam suas esmolas pela televisão
controlam as vias públicas
interditam a contra-mão

satisfazem-se de que haja sempre um mártir
pra carregar suas cruzes de plástico
expõem-se num mundo floreado e tonto
julgam as rosas sem broto do quintal vizinho

suas divas de oficina
as alpargatas falsificadas
a panfletagem das suas virtudes
seus personalismos que nos debilitam
o interesse pessoal abonando as faltas
seus simpáticos temores contaminando nas festas
as borboletas e os bebês de colo
que amanhã estarão em todos os álbuns virtuais
proclamando a falsa modéstia

o origami foi removido do asfalto
na escarradura desta promoção
de dias frouxos, sem nebulosas
em que todos viraram liquidação

no tarô mitológico
as duras penas de uma terra de enganos
miniaturas de futuras más negociações
de terras e rios escamoteados
variações indiscriminadas da lama
e o sentimento parasitado
junto às laranjas no triturador

a obra homônima da indiferença
contrastando com os demônios na aragem
traiçoeira mágoa de quem não suporta
caiar as portas de uma cor ausente



(crédito da imagem - Gil Vicente)

a dor complementar




já vivi a barreira infinita do descaso e dos brilhantes. numa febre afetiva escolhi aquele sonambulismo que contrariava meus desígnios de aprendiz. cintilei sabores de cama e cozinha num tear suspenso de querer ser mais familiar. recobrei as dívidas na convivência. paguei os meus defuntos tristes de outrora com esta história de tentar ser feliz, olvidando injúrias e estigmas pela aragem simples de sublimar os meus desvios. fiz caiar paredes de dias absortos, em que a paixão se destilava em lágrimas. detetive de vindas, perguntava de onde aquela correspondência amorosa surgia, quem acompanhava dos bastidores a obra arqueira do meu do sentimento aflitivo, manifesto em tão sensível agonia, de nunca se realizar al dente. respondi enquetes,  jejuei nas festas, perdida como num quintal de entulhos procurando a boneca manchada, sem termo de alguma revelação especial, primorosa, em que os pássaros se amontoam na imensidão solar de um aconchego pleno. quis vender meus venenos, livrar-me do estio que viria com os meses, daqueles arcanos da disputa e do empobrecimento da alma. só havia o revide das minhas tentativas e o plano estanque de uma família, filhos, carrinhos de passear. a dor complementar de eras acesa, logrando passagem em minhas vertigens, abrindo a gastrite ofensiva das minhas enfermarias usuais. não estabeleci limites entre a minha identidade e o aplacamento do amor : deixei de contemplar meus horrores, os dias frios, a correria exigida pela fúria de viver e os degraus soltos que particularizavam a minha estada. mas mesmo ali, o componente vivo de minhas misérias vinha se achegando lento, semi-suspenso naquele frasquinho em que depositara Deus e a minha contemplação. de beber o cálice daquele período nevoento, avivei as pedras, pra acolher as perdas. o sincretismo de um amor velado, estabelecido como uma doença, num apego que atraiçoa todo o emocional – acompridara vestes para esconder o furor reacionário de um erro que por anos seria esta história de luto e desvelo, para agora retirar os moldes daquele quadro perfeito, impraticável na expiação. minha novidade é o meu silêncio, um indício de anunciação. e na aura do que me alcança, hoje sobram ventos que ampliam o aconselhamento do ninho sem as burocracias oficiais que se espraiam no egoísmo da posse e da violação dos meus ideais. luto, me absolvo e reautorizo-me no mundo, com a venda dos olhos voltada ao desmascaramento marcado. assolados ao termo de eras, os heróis desta terra reúnem suas forças onde a fé se mantém nas frontes, sem frentes de violência e terrorismo. sou eu quem me sensibilizo e aprofundo as lacunas, interrompo os meus gladios, intercedo pelos gatos mancos esfomeados da tarde. há uma disputa covarde entre viver e se afeiçoar, entre o triste e o perdulário. há coisas perdidas, falidas com o tempo. há fios de luz de cordas engatadas donde as cotovias se suspendem e têm suas vidas desapropriadas. e há chamadas como as dos tempos escolares para encontrarmos o cisne imundo destas manhãs empoeiradas. existe um recesso no meu sentimento, uma modulação de hiatos que exige reposição - novas datas para recobrar os momentos tranquilos de que suspeitei, as glórias que contei por invernos e adiei em minha mente. recobrar as visitas no hall com toda sua alegria, comentando arquiteturas, relatando os últimos tempos. recobrar os dinossauros, o estetoscópio, o número infinitesimal, o caos, o açúcar e o arroz. o sumo desses dias. e além disso, saber que coisas caóticas não se relativizam com o tempo. são provas de audácia e descontentamento. quando há lebres fáceis os dias difíceis se comprovam. e mesmo na hora morta, há resgates em nossos arquivos.


(crédito de imagem: gabby nathan)