a dor complementar
já vivi a barreira
infinita do descaso e dos brilhantes. numa febre afetiva escolhi
aquele sonambulismo que contrariava meus desígnios de aprendiz.
cintilei sabores de cama e cozinha num tear suspenso de querer ser mais familiar. recobrei as dívidas na convivência. paguei os meus
defuntos tristes de outrora com esta história de tentar ser feliz,
olvidando injúrias e estigmas pela aragem simples de sublimar os
meus desvios. fiz caiar paredes de dias absortos, em que a paixão se
destilava em lágrimas. detetive de vindas, perguntava de onde aquela
correspondência amorosa surgia, quem acompanhava dos bastidores a
obra arqueira do meu do sentimento aflitivo, manifesto em tão
sensível agonia, de nunca se realizar al dente. respondi
enquetes, jejuei nas festas, perdida como num
quintal de entulhos procurando a boneca manchada, sem termo
de alguma revelação especial, primorosa, em que os pássaros se
amontoam na imensidão solar de um aconchego pleno. quis vender meus
venenos, livrar-me do estio que viria com os meses, daqueles arcanos
da disputa e do empobrecimento da alma. só havia o revide das minhas
tentativas e o plano estanque de uma família, filhos, carrinhos de
passear. a dor complementar de eras acesa, logrando passagem em
minhas vertigens, abrindo a gastrite ofensiva das minhas
enfermarias usuais. não estabeleci limites entre a minha identidade
e o aplacamento do amor : deixei de contemplar meus horrores, os dias
frios, a correria exigida pela fúria de viver e os degraus soltos
que particularizavam a minha estada. mas mesmo ali, o componente vivo
de minhas misérias vinha se achegando lento, semi-suspenso naquele
frasquinho em que depositara Deus e a minha contemplação. de beber
o cálice daquele período nevoento, avivei as pedras, pra acolher as
perdas. o sincretismo de um amor velado, estabelecido como uma
doença, num apego que atraiçoa todo o emocional – acompridara
vestes para esconder o furor reacionário de um erro que por anos
seria esta história de luto e desvelo, para agora retirar os moldes
daquele quadro perfeito, impraticável na expiação. minha novidade
é o meu silêncio, um indício de anunciação. e na aura do que me
alcança, hoje sobram ventos que ampliam o aconselhamento do ninho
sem as burocracias oficiais que se espraiam no egoísmo da posse e da
violação dos meus ideais. luto, me absolvo e reautorizo-me no mundo,
com a venda dos olhos voltada ao desmascaramento marcado. assolados
ao termo de eras, os heróis desta terra reúnem suas forças onde a
fé se mantém nas frontes, sem frentes de violência e terrorismo.
sou eu quem me sensibilizo e aprofundo as lacunas, interrompo os meus
gladios, intercedo pelos gatos mancos esfomeados da tarde. há uma
disputa covarde entre viver e se afeiçoar, entre o triste e o
perdulário. há coisas perdidas, falidas com o tempo. há fios de
luz de cordas engatadas donde as cotovias se suspendem e têm suas
vidas desapropriadas. e há chamadas como as dos tempos escolares para encontrarmos o cisne imundo destas manhãs empoeiradas. existe
um recesso no meu sentimento, uma modulação de hiatos que exige
reposição - novas datas para recobrar os momentos tranquilos de que suspeitei,
as glórias que contei por invernos e adiei em minha mente. recobrar
as visitas no hall com toda sua alegria, comentando arquiteturas,
relatando os últimos tempos. recobrar os dinossauros, o
estetoscópio, o número infinitesimal, o caos, o açúcar e o arroz.
o sumo desses dias. e além disso, saber que coisas caóticas não se
relativizam com o tempo. são provas de audácia e descontentamento.
quando há lebres fáceis os dias difíceis se comprovam. e mesmo na
hora morta, há resgates em nossos arquivos.
(crédito de imagem: gabby nathan)
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