Thursday, September 22, 2005

amantes

os sentidos bandidos estão desviando o meu e o teu olhar das ruas estripadas onde os bispos rezam São Paulo. precisávamos de amuletos para redimir nossos sentidos muito ligados aos informes econômicos. mas as provas de um canto profundo dos pássaros formam um conjunto de certezas na bateria de nossas paixões. em áreas distintas, por vezes a melancolia subverte os beijos, como se o organismo de nossa sobrevivência estivesse fora de área. no Texas há o abandono das casas que o vento irá levar. necessitamos também aprender a abandonar as casas fixas, deixar de analisar a taxa de desemprego. o salário médio de nossos sentidos num céu próprio para morada é a estrutura mais certa para ampliar a contração de estarmos no mundo feito cânones do amor que se fazem ao relento

(22/09/05)


prosa-poética



amantes

não sonho mais a poesia entre correntes de ar, a estrutura dos versos baseia-se na minha carne alvejada de alma, na migração. é tudo tão branco, feito a galhofa do demônio na hemofilia, quando quer se fazer de anjo de deus para fazer-nos ver o sangue vencendo-nos a vida. a modulação genética da palavra afina o inferno. comprimo as hastes de uma torrente de palavras para me decidir pelo amor, este que não se exaure da beleza do vocábulo. e quando assimilamos a morte do poema, numa genealogia de homens terrorosos, damos cabo à vida

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a tese deste dia foi a tranqüilidade dos cardumes na água que adensa a dor. fora dessa discrepância está a lua franca, adepta de iluminar sinos em igrejinhas de minifundio. apoiam-se em nosso amor as notícias sem intenção de morte. estão todos amedrontados com a limpeza da tarde, que nos viu em plena atividade de tentar descrever as autoridades do mundo. quem sabe poderemos defender nossas mãos das facas indigestas da precariedade civil, dos carnês de banco e latas de cerveja vazias. quem sabe é preciso de propina para sonhar. prática de indicar nuvens e depois planar no ser amado

(16/09/05)

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hoje é dia de estar desolada. assim estou comprando por obrigação uma nova cisma com poucas notas. passo as horas ajustadas à vida acalentando minha saúde fria como se fosse falhar no ritmo de meus sonhos. o meu amor teme ser aberto à uma primeira leitura. eu sou uma mulher final, que compra carícias e as tem que revender mais tarde, ao preço de alguns carmas. levo à frente a estripulia de menina que anda no meio-fio. é péssimo agouro, mas a cada fascículo de minha solidão como que vejo o câncer na vitrine de meu futuro. apenas peço que o amor não se despossua pela terapia. o cateter da noite chega nesta mágoa-tinta. ainda fresca. negarei um dia o pouso áspero de meu trajeto. ficará minha mãe junto a mim no hospital virando noites com meu fato. anjo de esponsais

(17/09/05)

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quando tu entraste pelos liames da corrupção que me foi este dia em que estive adiantando as esquinas para cercar tua casa de gerânios, assomei no poder de minha alma e uma relíquia de vida se apoderou do volume da escuridão perfeita. não tenho embasamento teórico algum para conversas de amor. falo de todo tipo de pimenteira, formas da hepatite. mas por vezes adquires a opulência da tua própria imagem e assim denigres a mansidão da minha casa de campo não-mobiliada, meu jardim, meus mensageiros do vento. quem sabe a sobriedade um dia chega. na pauta de uma separação de horas o tempo inunda como o Mississippi que leva o que quer na alvorada d'água. adentra um vaso de flores na enxurrada e saberás em resumo a conta do desperdício que pode ser a vida

(19/09/05)


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o que me ocorre agora é a alvenaria destes dias prestes a acabarem com a violência do meu nascimento. se eu faço pontes correntes de sílaba à sílaba para entender a astúcia de meu sentimento, apenas caio na rasura oceânica de outros tantos segredos que não me ocorrerão jamais aliar ao consciente. quero então agora apenas saber do teu dia e de tuas cismas menores. de qual lado da cama vens dormindo? hoje tive a obrigação de avaliar grupos humanos pela incidência de seus chutes e pontapés. jamais avaliei meus pontapés no ventre de minha mãe. a idéia dos narcóticos me deixa confusa ao ponto de eu lutar para não me expulsar de casa, não atear fogo às flores que restam. preciso tão somente de água da torneira para entrar em estado de choque com a gravura de nossas almas expostas na divulgação do circo. enquanto o amor nos fomenta, damos de beber aos elefantes


(20/09/05)


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não há filiais para o meu esquecimento. as dores não têm desvios, estão centradas na escapadura da alma, rente à carne que fora mútua. mas a placidez sustenta o sol e atua em minha vida contra a intenção das tempestades de falhar-me em pleno nado. a campanha dos ventos me enlouquece, já que querem estar em mim a brisa e o tufão. o dia nega-me o habeas-corpus para andar na capitania de uma mansidão maior, menos de dioceses. o fascínio que me exerce a solidão assemelha-se às vitórias partido progressista – desfile de ataduras e pássaros roucos na primavera sempre móvel. inexistem os pluviômetros que me bastem. a sucessão de chuva e sol desmembra a flor sólida. penso que deixei muito do jardim na carta antiga, mas o deus que esconde e profere toda a natureza em mim me rege e acompanha

(21/09/05)


lítera em vôo branco









Ramone Abreu Amado nasceu em 9/9/81; formada em Letras (Univille), especialista em Língua Portuguesa com ênfase em Literatura e Artes (ACE) e estudante de Parapsicologia & Ciências Mentais (IPCM-Jlle). Autora de Imitação de Espelho (ed. Letrad'água), tem no prelo o livro Origami em Eras Fágicas.